"Essas bichas... Essas aberrações afeminadas ficam tudo doidas quando vem chegando o carnaval. Bando de desavergonhados! Faltam com respeito a todo mundo e ficam querendo tirar a rapaziada do bom caminho. Se meu garoto se bandear pra esse lado, eu mato ou deserdo. Andou ele com um papo de fazer faculdade de letras porque gostava de poesia. Coisa de veado! Não suporto isso. Querem inverter a situação... Quando essa fauna faz sinal pro meu táxi, passo direto. Se pudesse atropelava."
Salomão se entretinha em seu monólogo que interrompia cada vez que levava o copo de cerveja à boca molhando o bigode robusto que fazia remexer como se taturana fosse. O garçom debruçado no balcão parecia prestar atenção.
"Essa boate nova emporcalhou ainda mais o nosso bairro. Onde já se viu uma casa para chamariscar esse bando de pederastas?! É praticamente um incentivo a veadagem!"
Entrou uma bichinha no bar. Dessas bibas bem floridas. Salomão fechou a cara. Viu que a franga usava tamancos e tinha pernas mais lisas que as de sua esposa. A a bermuda jeans cobria uma bunda que lembrava a de uma mulher. Mirou a cara do sujeitinho. Maquiado, boca pintada.
"Um maço desse aqui, please.", solicitou o invertido.
"Não tem vergonha, garoto?", perguntou Salomão.
"Ai, tio... Com você me olhando assim, fico encabulada. Pago pau pra esse teu bigodão de Freddy Mercury!"
Saiu em passinhos curtos e saltitantes. Salomão estava numa sinuca. Tinha que reagir pra não ficar mal falado no testemunho do balconista. Pôs uma nota de dez sob o copo e saiu no encalço da figurinha andrógina. "Vou dar uma lição naquele safado!"
Olhando pra um lado e pra outro, emparelhou com o sujeitinho:
"Tem família, garoto?"
"Vai me adotar?"
"É de maior?"
"Dezenove ânus..."
"Vamos no meu táxi dar uma volta que te faço um agrado."
"Vai me pagar quanto, bofe? Olha, não quero tomar uma beiça, heim?"
"Um galo na tua mão."
"Decidido, heim!? Para teu carro ali na esquina que vou levar esse cigarro pra dona e já volto."
Enquanto manobrava, pensava na melhor maneira de esfolar aquela bichinha. "Onde já se viu, me expor ao ridículo dentro do bar..." Mas antes havia de brincar primeiro. Porque é homem quem come. Estacionou no lugar combinado. Na calçada oposta, avistou o dito cujo que não estava sozinho. Guiava um numeroso grupo. Uma bicharada. Veado pra tudo quanto é gosto. Até traveco tinha. Salomão saiu do carro assustado, esbaforido. Correu ao porta-malas e se muniu da chave de roda.
"Olha, gentes: é esse o ursinho cheio de ofófi! Tá querendo me papar!"
Os transeuntes estancavam, curiosos. Cercado pelos baitolas, Salomão se limitou a sacudir a ferramenta e xingá-los do óbvio. Começaram a bater palmas e a cantar em ritmo de marchinha:
"Me pediu pra ver as horas,
Falei, são dez,
São dez e lá vai fumaça,
Achou graça e quis ver,
No meu Roscofe,
Audácia, do Bofe.
Audácia, do bofe,
O meu Roscofe,
É tão legal,
Dei azeite, pra ele,
Pois eu não sou esses bofes da Central"*
Salomão trancou-se e arrancou com o táxi decidido a mudar de ponto.
*"Audácia do Bofe", marchinha de carnaval de autoria desconhecida.
*"Audácia do Bofe", marchinha de carnaval de autoria desconhecida.
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