sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Visita às primas

Para o  sofista de trem




Nossa a amizade datava da infância, mas o nós de nossos laços afetivos não se firmavam no tempo perdido. O que nos sustentava amigos era o fato de sermos vizinhos de bairro. Todos residiam em algum rincão de Madureza. Além disso, bebericávamos na fonte dos losers suburbanos. Éramos quatro. Éramos, enfim, solidários em nossa miséria; cúmplices em nosso velado ressentimento.
Xaxá era leão. Pilotava o 254. Paulo Banha era ambulante. Vendia e comia churrasquinho na saída da estação. Hércules era carteiro. Fazia a rota Madureza. A gente se encontrava nos fundos do shopping e seguia para o Sodoma`s . O trajeto, feito em silêncio, era amordaçado pelos queixumes da vida compartilhados. Afinal,  o ressentido tem essa mania de ficar remoendo os agravos ancestrais e o faz taciturno feito cão vira-balde que rói o osso desenterrado.
Era pisar o chão da casa de tolerância e se travestir de euforia. Paulo Banha gritava por uma garrafa de label, Hércules corria para o caça-níquel, não sem antes perguntar por sua "namoradinha". Xaxá sondava as novidades da casa. Soube de uma tal Tati Jaceruba. Morena fechada, cabelão que terminava no fim das costas. As ancas fartas e os glúteos salientes faziam a mulher parecer um centauro. Xaxá pousou a mão naquele corpo e subiu as escadinhas para cavalgar.
Não demorou muito, desceu um grosso vozerio. Meu amigo era arrastado por um dos seguranças. Em meio a confusão, tentei criar sentido no discurso desconexo de Xaxá. Ele se precipitou muito. Galudo como estava, ejaculou precocemente. Borrachudo como ficou, quis aproveitar os muitos minutos de seu tempo para conversar com a mulher. Jaceruba se negou. Disse que era paga pra outra coisa e não para trocar ideia; não era psicóloga. Xaxá gritou com a fêmea. Ela chamou o segurança. Na tentativa suicida de mitigar os prejuízos eu disse ao gerente que ia ao Procon. Ele disse tudo bem; desde que pagassem as contas e o programa inclusive. Tudo foi quitado.
Xaxá empacou num bar defronte à casa de tolerância. E lá ficamos até que as funcionárias da boate começaram a deixar o recinto. Jaceruba, mesmo sem os trajes de serviço, continuava cavaluda. Saía com outras duas colegas rumo a um ponto de táxi. Xaxá não se conteve: "Rata! Puta arrombada!". "Eu só recebo pra fazer o que sua mãe faz de graça, meu bem!". A gritaria ganhou efeito dominó. Os únicos que não zoaram com a cara de Xaxá fomos nós que o arrastamos em silêncio para longe dali.
Paulo Banha reclamou fome. Xaxá teve um acesso de choro: "Duzentas gramas de carne! Eu gastei cem reais por causa de duzentas gramas de carne!". Inconsolável. A montanha russa etílica estava na fase do declive galopante.Faltava pouco para chegarmos ao vale da acentuada depressão. Hércules, cada dia mais corcunda, reclamava dores nas costas. Banha estancou na frente de uma padaria que ainda mantinha as portas fechadas. Sentamos pelo chão mesmo e emudecemos, mais uma vez. 
Hércules se escorou em suas últimas forças e quebrou o gelo: "Mas e aí, Xaxá? Tua mãe faz mesmo aquilo tudo de graça?". 
"QUÊ?"
E Madureza amanheceu em grossa porradaria.

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