terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SOUL SISTER


Sou ressentido assumido. Meu rancor salta dos meus olhos para os olhos de quem me vê. Ao contrário de muitos enrustidos que escamoteiam esse nefasto sentimento, eu o exibo como se fosse uma cicatriz de um acidente mortal ao qual sobrevivi. Uma enorme queloide que marca profundamente minha alma. Reconheço os hipócritas que tentam esconder suas dores e deméritos a todo tempo no biombo do perdão. Não adianta se banhar de perfume quando o corpo clama a emergência do banho. Eu primeiro senti a fragrância importada para depois cruzar com seu olhar.
Gorducha, com sobras de carne em todas as partes do corpo, curvava-se sobre o balcão pedindo fogo ao garçom. Eu me prontifiquei. Estiquei o braço e lhe fiz a gentileza. Ela agradeceu e em troca me ofereceu seu drinque. Vodka com Curaçau Blue, ela disse. Provei. A cor é ótima, eu disse. Rimos juntos.
De vestido vermelho berrante e muita maquiagem, minha ressentida da vez me lembrava uma pomba-gira quando ria  e uma viúva Porcina quando falava. Dançamos ao som do videokê que tocava o cancioneiro brega nacional. Eu lhe fazia as vontades. Enchia seu copo. Depois de muito beber, arrochei sua cintura roliça e colei minha boca na sua. Dali senti todo o amargor: filha única, fora criada com todo amor e com muito esmero, acreditou que era realmente uma princesa, mas aqueles que habitavam fora de seu castelo lhe apontavam a gordura e a ausência de curvas. Protagonizou a novela real “A gordinha rejeitada” e nunca mais abandonou sua personagem. O placebo para sua dor crônica era ludibriar os homens, prometendo-lhes sexo a troco de atenção, de cortejo e bajulação. Mas quando chegava a hora de cumprir sua parte do escambo, dava pinote e fazia o macho cair da certeza.
Terminado o beijo pude sentir o ranço viscoso de sua alminha pesada e ressentida.
Vamos pra algum lugar, eu disse. Estou nos dias, ela disse. Vamos só brincar, então... Fica mais um pouco que teu boquete é garantido. Assenti. Bebemos mais muitas. Saímos cambaleantes à procura de seu carro. Lá chegando, na solidão do estacionamento, cobrei minha paga. Tô passando mal, ela disse. Insisti. Abri a braguilha e ordenei. Tô passando mal, ela disse. Fechei a braguilha. Abri a porta do carro. Antes de sair soquei aquela cara gorda com força. Dei nela os murros endereçados a todas a fêmeas que me rejeitaram. Abri a bolsa. De sua carteira da Victor Hugo, afanei o dinheiro. Saí pelo estacionamento com sensação de bem-estar. Mais uma vez havia encontrado uma alma gêmea ressentida.

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