Sabe a jovem que ingressa numa grande empresa para ocupar a função de servir cafezinho e espanar a mesa do chefe? Essa moça, mesmo sendo uma anta, consegue galgar postos mais importantes. Ela não possui mérito algum, faz do corpo moeda de troca. Sem qualquer traço de escrúpulo, chega ao cargo de secretária executiva, praticando a versão mais vil do alpinismo social. Abrindo as pernas pra um e outro, sabotando as concorrentes diretas, fazendo da mentira e da falsidade regras para sua existência. Tal tipo de gente nunca deixa de olhar para trás, segue de costas. Sentindo pavor de perder a máscara, acha que todos são capazes de pôr em prática as mesmas vilezas. Carregando o fardo do ressentimento e da culpa, tratam mal os subalternos e adulam os superiores. Ruminam fel.
Sei bem como é. Meu negócio teve início no Cine Regência - cinema pornô. Chamarisco de pederastas assumidos e não declarados. Cobrava vinte pratas por uma chupada (chupada em mim, pois veado não sou). Enquanto o incauto felador se satisfazia, meu companheiro de trabalho tratava de furtar bolsa, mochila, pacote ou qualquer objeto que fosse deixado no banco ao lado. O nome do comparsa era Golias. Ele era anão. Desses anões cabeçudos, de membros tortos e andar cambaleante. A estatura diminuta era aliada nessas horas.
Passados uns meses, começamos atuar no centro da cidade. Num esquema semelhante. A vítima era apanhada no Cine Íris. Em vez de furto, anunciávamos assalto. Havia pouca resistência. Nenhum pai de família ia alegar que fora assaltado por um garoto de programa com um anão à tira-colo. Com economia e sacrifício, fizemos um investimento maior. Partimos pra zona sul. Tendo um público-alvo mais seleto. Senhoras solitárias, viúvas, ninfomaníacas, rejeitadas. Mulheres que, com ou sem motivo, aventuravam-se em um programa comigo. Cem pratas. Programa completo. Tive de me empanturrar de bramil pra encarar velha coroca de boceta mumificada... De comparsa, Golias passou a empresário. O cara não dormia. Atendendo telefonemas, cuidando da minha alimentação, do vestuário... Ele trabalhava muito. Mas eu ficava sempre com a impressão de que trabalhava pra ele.
A rede de contatos aumentou consideravelmente. E os negócios ganharam outras dimensões. A faísca da ilegalidade comum à prostituição foi incendiária. Ingressamos na empresa de tráfico de mulheres. Eu ocupava a base da pirâmide. Abordava a fêmea, cortejava, ganhava a confiança, pagava de pretendente. O segredo da coisa era não falar de sexo nos quatro primeiros encontros. O mulherio apavorava. Ficava curioso e instigado. O batráquio aqui ganhava formas de príncipe encantado. Depois de levar a moça pra cama uma, duas vezes, a gente acionava os caras. A caminho do motel, meu carro era abordado, sequestravam a mercadoria. Esse lucrativo esquema durou bem uns anos. Golias se afastou de mim. Só nos falávamos por telefone. O anãozinho estava mais perto do topo do que eu. Gerenciava. Muita inculcação, mas a gaita chegava até mim. Dólar, euro, joia. Mudei pra uma cobertura na Barra da Tijuca e passei a me dar ao luxo de fazer sexo amador.
De frente pro mar não conseguia mirar o horizonte. A carranca do passado me hipnotizara. Ruminava as frases de meu antigo comparsa: "Anão não é gente pra sociedade. Pra esse povo, anão não faz aniversário, não morre, não toma condução. A gente só serve pra figurar em circo, em peça infantil. Mas comigo não. eu vou ser grande. Vou subir. Vou ficar famoso feito o Nelson Ned..." Tudo isso dito no pico da embriaguez, quando nada é levado muito a sério.
A firma quebrou quando menos esperava. Minha prisão foi declarada no momento em que pegava na mão da minha vítima de número 33. Na delegacia dos federais, liguei pro Golias:
"Cara, me laçaram. Fodeu!"
"Eu te conheço?"
"Porra, Golias! Preciso de um advogado!"
"Eu te conheço?"
"Eu vou jogar a merda no ventilador, seu filho da puta!"
"Se mencionar o nome de pessoas de bem, tu vai fazer programa como indigente no cemitério do Caju."
...
Peguei uma etapa de dezessete anos por lenocínio e associação ao tráfico de mulheres. De dentro do presídio, soube que o anão abriu sociedade em uma produtora de filmes pornográficos. Pagou minha proteção e advogado. Com míseros 1,37m, Golias alcançou seu lugar ao sol. Minha cabeça lhe serviu de degrau nessa escalada.
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