segunda-feira, 28 de março de 2011

Prefácio do livro Desenrolo

No seu livro de estréia Viddal de Souza faz referência a aspectos marcantes da literatura brasileira.
Mas usa um tom contrastante, como não podia deixar de ser. Já o seu Magistrício Ateneu se passa na era do elogio do achincalhe, da piadística, da luta entre o deboche e o bom humor, pois o professor Azedo precisava mais do que da autoridade que o cargo e a função lhe asseguravam para estabelecer uma relação eficaz entre ele e os alunos de uma classe como tantas outras que ocupam as salas de aula nos anos de 1990, 2000 e assim por diante.
Tomando da pena, nosso estreante autor moderniza o assim chamado contexto. Sai do sério e contra-ataca com as mesmas armas. A crítica feroz contrasta com a elegante reação dos professores da tradição literária brasileira. Sem saudosismo e sem teoria, Viddal faz a sua narrativa, que debocha da frustração do mestre, do respeito antiquado e da teoria ineficaz.
Num cenário suburbano, cria com estilo um tipo de ironia que contrasta até mesmo com mestre Nelson Rodrigues, que foi o mais cruel crítico da hipocrisia da elite que torce o nariz para as chamadas camadas menos favorecidas. Realismo tratado finamente é o que teremos nestas páginas. Rodriguianamente, o professor sente-se um “um palhaço, um bufão maldito” e lembra dos seus sonolentos tempos acadêmicos em que professores antipáticos e sem carisma eram tolerados, desde que esnobassem e arrotassem saberes.
Nelson Rodrigues é revisitado no conto “De mãe pra filha”. Primeiramente na epígrafe, que lembra os momentos mais radicalmente pornográficos de Nelson. Em seguida na invasão da privacidade feminina, quando Viddal cria uma teoria que associa menstruação e banho frio matinal. É quase um desrespeito, que se torna delicioso nesses tempos de hipocrisia disfarçada de politicamente correto. E Vidal, por fim, confessa sua predileção pelo “dramaturgo do Leblon”.
Esse último conto longo, rico em personagens – alguns dignos de Rubem Fonseca, pelas suas características físicas grotescas e pela crueldade que molda o enredo – foi deixado para o final, provavelmente, para ser deliciosamente degustado, como o pudim oferecido por Moema ao protagonista. Tudo gira em torno da obsessão do personagem principal pela prática da “preferência nacional”, ou seja, do sexo anal. As peripécias suburbanas se sucedem. A linguagem varia hipocritamente entre descrições quase médicas da anatomia anal feminina e a mais pura exposição do que os homens menos refinados da sociedade carioca fantasiam a respeito das fêmeas que pretendem possuir ou que possuem.
Ao final da leitura, afora as influências rodriguianas e fonsequianas, fica no leitor a sensação de ter assistido ao desenrolar das vidas suburbanas. Ou das dramáticas mortes suburbanas, ali, na rua, com plástico preto pra cobrir o presunto, velas acesas e público.
Viddal é desses narradores que quase colocam suas histórias numa tela real de cinema. No caso dele, cinema suburbano, naturalmente.
Ulysses Maciel

Um comentário:

  1. Escreveu um livro e não me contou??? vou riscar vc agora da minha lista, rsrsrs

    Parabéns, você merece...

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